Teoria da Relatividade
O INFINITAMENTE GRANDE...
19/06/2008 - Folha de São Paulo
CARLOS HEITOR CONY
RIO DE JANEIRO - Ainda não me dei ao respeito de ler a biografia do Paulo Coelho escrita pelo sempre competente Fernando Morais. Amigos que a leram me informam, alarmados, que o mago, em início de carreira, plagiou uma crônica minha para se habilitar ao emprego num jornal do Nordeste. Nada tenho contra. Lamento apenas a falta de gosto ou de informação do Paulo. Bem que poderia ter escolhido autor mais importante.Sou amigo dos dois, do biógrafo e do biografado. Lerei o livro com a unção que eles merecem. Quanto ao plágio, se verdadeiro for, é um acidente de percurso na carreira dele e na minha. Nada grave que dê para me chatear.Chato mesmo é ler na internet textos meus assinados por outros. E, pior ainda, é ler textos de outros assinados por mim. Tive há tempos uma experiência que me chateou. Estava em Paris, cobrindo a Copa do Mundo de 98, quando soube que um colunista aqui do Rio assinara duas crônicas minhas como suas. Descoberto o plágio, não por mim, mas pela Folha, o jornalista foi demitido do ''JB'', certamente por um motivo justo: deveria ter escolhido um autor mais ilustre para copiar.Mesmo assim -como disse- fiquei chateado por causa da demissão do colega. Quando tomei conhecimento do fato, a nossa seleção enfrentava um compromisso fora de Paris, acho que em Nantes ou em Marselha. Eu estava sem condições de interferir junto à direção do ''JB'' no sentido de impedir a dispensa do seu profissional.Lembro agora que o Fernando Morais me telefonou, há tempos, perguntando se sabia do plágio do Paulo Coelho. Lógico que não sabia. E, mesmo se soubesse, dava-lhe a minha bênção e aprovação. Gosto dele, é um gentleman, o sucesso internacional não o modificou, é um garoto que muito sofreu e ainda acredita no maravilhoso.
RIO DE JANEIRO - Ainda não me dei ao respeito de ler a biografia do Paulo Coelho escrita pelo sempre competente Fernando Morais. Amigos que a leram me informam, alarmados, que o mago, em início de carreira, plagiou uma crônica minha para se habilitar ao emprego num jornal do Nordeste. Nada tenho contra. Lamento apenas a falta de gosto ou de informação do Paulo. Bem que poderia ter escolhido autor mais importante.Sou amigo dos dois, do biógrafo e do biografado. Lerei o livro com a unção que eles merecem. Quanto ao plágio, se verdadeiro for, é um acidente de percurso na carreira dele e na minha. Nada grave que dê para me chatear.Chato mesmo é ler na internet textos meus assinados por outros. E, pior ainda, é ler textos de outros assinados por mim. Tive há tempos uma experiência que me chateou. Estava em Paris, cobrindo a Copa do Mundo de 98, quando soube que um colunista aqui do Rio assinara duas crônicas minhas como suas. Descoberto o plágio, não por mim, mas pela Folha, o jornalista foi demitido do ''JB'', certamente por um motivo justo: deveria ter escolhido um autor mais ilustre para copiar.Mesmo assim -como disse- fiquei chateado por causa da demissão do colega. Quando tomei conhecimento do fato, a nossa seleção enfrentava um compromisso fora de Paris, acho que em Nantes ou em Marselha. Eu estava sem condições de interferir junto à direção do ''JB'' no sentido de impedir a dispensa do seu profissional.Lembro agora que o Fernando Morais me telefonou, há tempos, perguntando se sabia do plágio do Paulo Coelho. Lógico que não sabia. E, mesmo se soubesse, dava-lhe a minha bênção e aprovação. Gosto dele, é um gentleman, o sucesso internacional não o modificou, é um garoto que muito sofreu e ainda acredita no maravilhoso.
...E O INFINITAMENTE PEQUENO
Um fenômeno do marketing literário
Moacyr Scliar - Zero H ora - Porto Alegre - 3.6.2008
Moacyr Scliar - Zero H ora - Porto Alegre - 3.6.2008
Há alguns anos, a famosa feira internacional do livro de Frankfurt escolheu o Brasil como homenageado. Havia um amplo recinto dedicado a nosso país e, nele, uma grande mesa com livros de autores brasileiros. Um dia - era hora do almoço e o salão estava vazio - eu estava ali, olhando esses livros, quando de repente apareceu Paulo Coelho, a quem eu conhecia de vista. Cumprimentou-me, olhou a mesa, onde não havia nenhuma obra sua, saiu e voltou minutos depois carregando uma grande pilha de livros de sua autoria. Passou por mim, queixou-se de que livros pesam (não pude resistir à tentação de dizer que, com seus poderes, ele bem poderia fazer os livros levitar) e espalhou-os pela mesa. Gesto paradigmático daquilo que a biografia agora lançada por este expoente do gênero, Fernando Morais, mostra muito bem: a obsessão (a expressão é da Folha de S. Paulo) de Paulo Coelho por conquistar o mercado livreiro e que há mais de 40 anos já figurava em seus planos, registrados em diário: "Comprar todos os jornais do Rio em dias de semana. Enviar composições [sic] aos encarregados e carta explicativa aos diretores. Entrar em contato telefônico com eles, indagando o dia em que o escrito sai. Informar aos diretores quais são as minhas ambições. Arranjar pistolões para publicação."
Nisto, o jovem Paulo Coelho não diferia muito de outros escritores em início de carreira. A diferença veio depois, quando ele se tornou o escritor mais lido do mundo, mais traduzido do que Shakespeare, como observa Fernando Morais em entrevista a Zero Hora. É um sucesso que até hoje surpreende (e que ajudou muito na sua eleição para a ABL), mas que tem explicação. Resulta, em primeiro lugar, de um fenomenal senso de marketing. Depois, e mais importante, a obra de Paulo Coelho, por causa de seu misticismo, do freqüente apelo ao sobrenatural, corresponde a uma necessidade de milhões de pessoas em nosso mundo: a necessidade de acreditar em algo. Esta necessidade foi reforçada pela derrocada das ideologias que puxou o tapete de sob os pés de muita gente, mesmo porque ideologia é algo que tem um componente de fé, de crença quase mágica. Paulo Coelho surgiu no momento exato e soube conquistar o mercado livreiro. Alguém já disse que o gênio é 10% inspiração e 90% transpiração, esta expressando o duro trabalho de melhorar o texto; no caso de Paulo Coelho, temos 10% de inspiração e 90% de autopromoção.Já a qualidade literária de seu trabalho é outro papo. Muito original ele não é: o livro fala do plágio de um texto de Carlos Heitor Cony e Zero Hora mostrou, tempos atrás, como Paulo Coelho copiou o conto Diante da Lei, de Franz Kafka em sua coluna no jornal O Dia. "Quanto tempo demorará para que meus livros sejam esquecidos?", pergunta ele numa carta a Fernando Morais. Dúvida mais que pertinente. Paulo Coelho não é Shakespeare.Temos o best-seller Paulo Coelho e temos o ser humano Paulo Coelho, um ser humano atormentado, não raro confuso e perturbado, muito sofrido, com passagens por drogas e por hospícios e uma difícil relação com os pais. Aparentemente, porém, ele conseguiu superar este passado. É uma pessoa agradável, simpática, afetiva, bem-humorada, qualidades que, de alguma forma, permeiam seus livros e certamente ajudam a conquistar leitores. Em palestras que dou, não é raro alguém pôr-se de pé e perguntar, em tom de desafio: "Eu só leio Paulo Coelho, e daí?". Minha resposta é que a casa da leitura tem muitas portas e a obra de Paulo Coelho é uma delas. Seguramente ele motiva pessoas, o que é um mérito. Já o futuro é uma incógnita. Até os magos têm dúvidas a respeito.
Nisto, o jovem Paulo Coelho não diferia muito de outros escritores em início de carreira. A diferença veio depois, quando ele se tornou o escritor mais lido do mundo, mais traduzido do que Shakespeare, como observa Fernando Morais em entrevista a Zero Hora. É um sucesso que até hoje surpreende (e que ajudou muito na sua eleição para a ABL), mas que tem explicação. Resulta, em primeiro lugar, de um fenomenal senso de marketing. Depois, e mais importante, a obra de Paulo Coelho, por causa de seu misticismo, do freqüente apelo ao sobrenatural, corresponde a uma necessidade de milhões de pessoas em nosso mundo: a necessidade de acreditar em algo. Esta necessidade foi reforçada pela derrocada das ideologias que puxou o tapete de sob os pés de muita gente, mesmo porque ideologia é algo que tem um componente de fé, de crença quase mágica. Paulo Coelho surgiu no momento exato e soube conquistar o mercado livreiro. Alguém já disse que o gênio é 10% inspiração e 90% transpiração, esta expressando o duro trabalho de melhorar o texto; no caso de Paulo Coelho, temos 10% de inspiração e 90% de autopromoção.Já a qualidade literária de seu trabalho é outro papo. Muito original ele não é: o livro fala do plágio de um texto de Carlos Heitor Cony e Zero Hora mostrou, tempos atrás, como Paulo Coelho copiou o conto Diante da Lei, de Franz Kafka em sua coluna no jornal O Dia. "Quanto tempo demorará para que meus livros sejam esquecidos?", pergunta ele numa carta a Fernando Morais. Dúvida mais que pertinente. Paulo Coelho não é Shakespeare.Temos o best-seller Paulo Coelho e temos o ser humano Paulo Coelho, um ser humano atormentado, não raro confuso e perturbado, muito sofrido, com passagens por drogas e por hospícios e uma difícil relação com os pais. Aparentemente, porém, ele conseguiu superar este passado. É uma pessoa agradável, simpática, afetiva, bem-humorada, qualidades que, de alguma forma, permeiam seus livros e certamente ajudam a conquistar leitores. Em palestras que dou, não é raro alguém pôr-se de pé e perguntar, em tom de desafio: "Eu só leio Paulo Coelho, e daí?". Minha resposta é que a casa da leitura tem muitas portas e a obra de Paulo Coelho é uma delas. Seguramente ele motiva pessoas, o que é um mérito. Já o futuro é uma incógnita. Até os magos têm dúvidas a respeito.
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