Relatórios de Graciliano - III
Antes de publicar o Relatório de Graciliano de hoje, da série de quando foi prefeito de Palmeira dos Índios, em Alagoas, veja a lição do grande mestre de como se deve escrever:
"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."
(Graciliano Ramos, em entrevista concedida em 1948)
(Graciliano Ramos, em entrevista concedida em 1948)
RELATÓRIO ao Governo do Estado de Alagoas
Exmo. Sr. Governador: Trago a V.Exa um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos índios em 1928. Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se achava, muito me custaram.
COMEÇOS
O PRINCIPAL, o que sem demora inicial, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na administração. Havia em Palmeira dos Indios inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar. Cada pedaço do Município tinha a sua administração particular, com Prefeitos coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam. Para que semelhante anomalia desaparecesse, lutei com tenacidade e encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela — dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos do Nosso Senhor, que administra melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro.
Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos. Saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Devo muito a eles. Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior.
RECEITA E DESPESA
A receita, orçada em 50:000$000, subiu, apesar de o ano ter sido péssimo, a 71 :649$ 290, que não foram sempre bem aplicados por dois motivos: porque não me gabo de empregar dinheiro com inteligência e porque fiz despesas que não faria se elas não estivessem determinadas no orçamento.
PODER LEGISLATIVO
Despendi com o poder legislativo 1:616$484—pagamento a dois secretários, um que trabalha, outro aposentado, telegramas, papel, selos.
ILUMINAÇÃO
A iluminação da cidade custou 8:921 $800. Se é muito, a culpa não é minha: é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz.
OBRAS PÚBLICAS
Gastei com obras públicas 2:908$350, que serviram para construir um muro no edifício da Prefeitura, aumentar e pintar o açougue público, arranjar outro açougue para gado miúdo, reparar as ruas esburacadas, desviar as águas que, em épocas de trovoadas, inundavam a cidade, melhorar o curral do matadouro e comprar ferramentas. Adquiri picaretas, pás. enxadas, martelos, marrões, marretas, carros para aterro, aço para brocas, alavancas etc. Montei uma pequena oficina para consertar os utensílios estragados.
EVENTUAIS
Houve 1 :069$700 de despesas eventuais: feitio e conserto de medidas, material para aferição, placas. 724$000 foram-se para uniformizar as medidas pertencentes ao Município. Os litros aqui tinham mil e quatrocentos gramas. Em algumas aldeias subiam, em outras desciam. Os negociantes de cal usavam caixões de querosene e caixões de sabão, a que arrancavam tábuas, para enganar o comprador. Fui descaradamente roubado em compras de cal para os trabalhos públicos.
CEMITÉRIO
No cemitério enterrei 189$000 — pagamento ao coveiro e conservação.
ESCOLA DE MÚSICA
A Filarmônica 16 de Setembro consumiu 1:990$660 — ordenado de um mestre, aluguel de casa, material, luz.
FUNCIONÁRIOS DA JUSTIÇA E DA POLÍCIA Os escrivães do júri, do cível e da polícia, o delegado e os oficiais de justiça levaram 1 :843$314.
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