Agência Carta Maior: 2007: o pior ano da guerra americana
O ano foi marcado pelo aprofundamento da crise de liderança dos Estados Unidos. A capacidade da grande nação em definir cursos de ação e impor seus projetos foi corroída ao máximo, chegando ao ponto mais baixo da história.
Francisco Carlos Teixeira*
O ano foi marcado pelo aprofundamento da crise de liderança – de hegemonia, para muitos – dos Estados Unidos em face ao mundo. A capacidade da grande nação em definir cursos de ação e impor seus projetos foi corroída ao máximo, chegando ao ponto mais baixo da história. E isso não se deu apenas no plano político. A crescente mudança de perfil dos Estados Unidos no conjunto da economia mundial ( seu peso era de cerca 50% do PIB mundial em 1947, passando para cerca de 24 % em 2007 ), somada a crise das hipotecas e seu impacto sobre o sistema de crédito americano, além da manutenção do elevadíssimo déficit duplo do país. Tal modelo acabou por corroer o papel do dólar no conjunto da economia mundial. Neste contexto, a Administração Bush perdeu substância e força, acentuada pela vitória do Partido democrata em ambas as casas do parlamento americano. Além disso, a retirada de vários altos funcionários – alguns, como Alberto Gonzáles e Karl Rove por força de ações da Justiça americana - transformou Bush num homem isolado e solitário na Casa Branca.O modelo de gestão econômica de Bush – que chegou a seduzir as elites perdulárias e anti-nacionais “urbi et orbi” também entrou em colapso. A idéia simples – e amalucada – que se poderia cortar impostos, em especial impostos sobre as grandes fortunas, e aumentar continuamente os gastos militares ( batendo todos os recordes de orçamentos militares ) mostrou-se exatamente como uma idéia simples e... errada!Contudo, mesmo que a economia esteja apresentando sinais evidentes de cansaço e modelo liberal-fundamentalista de economia praticado por Bush tenha se desmantelado, é no Iraque que o vazio de decisões torna-se mais evidente. As expectativas em torno de uma “virada” na Guerra do Iraque, em especial depois do Relatório Baker, no primeiro semestre de 2007, e do Plano de Ação do General Petraeus, no segundo semestre de 2007, não resultaram em qualquer melhoria das condições de segurança e de reconstrução no país. Bem ao contrário. Hoje os Estados Unidos computam 3.919 baixas “oficiais” no país ( das quais 132 foram suicídios! ). A Guerra no Iraque:No seu conjunto o ano de 2007 foi o mais duro ano depois do início da guerra em 2003, alcançando a cifra de 897 soldados americanos mortos ( em 2003 foram 486; em 2004, 849; em 2005, 846; em 2006, 822 ). As repetidas alegações de Bush que a situação no Iraque melhora a cada dia são, assim, desmentidas pela simples apresentação das estatísticas de baixas americanas no país.O reconhecimento, implícito, silencioso, do fracasso da política militar americana para o Iraque consolidou-se na exoneração de Donald Rumsfeld ( afastado em novembro de 2006 ) e na sua substituição por um “kissingeriano” de última fila, Robert Gates. A imensa expectativa em “revolucionar” a arte da guerra, impondo a superioridade americana global através do uso maciço de alta tecnologia e da poupança de “manpower”, mostrou-se irreal numa guerra de tipo assimétrico, baseada na baixa organização e grande mobilidade do inimigo – e travada no meio urbano, como uma guerra das cidades.Os dados do Pentágono, põem por terra o mito de uma guerra iraquiana como sendo uma guerra “hispânica”, da mesma forma que a Guerra do Vietnã teria sido uma “guerra negra”. Na verdade, os brancos pobres e desempregados dos Estados Unidos formam a massa principal de combatentes – e daí os quase 75% de baixas ditas “brancas” –hoje no Iraque. A centralidade das tropas combatentes em pessoal de pequenas e médias cidades do interior americano, onde a desindustrialização avança sobre os setores tradicionais da economia, explica, claramente, a atual incapacidade dos estados Unidos em constituir um amplo exército de voluntários para suas necessidades.O massacre de um povo:O pior de tudo, contudo, são as baixas de civis iraquianos, massacrados no torno dos ataques terroristas e as retaliações das milícias xiitas, sunitas e das forças “da ordem”, sejam iraquianas, sejam americanas. Números conservadores, muito conservadores, falam em 86.060 mortos civis iraquianos no final de 2007, conforme o “Iraq Body Count”. Fontes independentes, como “The Lancet”, entretanto, aproximam este número de 500 mil.Entre as forças de segurança iraquianas, um alvo preferencial da resistência, as baixas acumuladas chegaram a 16,997, conforme fontes americanas ou 7.756, conforme fontes iraquianas. A diferença explicar-se-ia pela inclusão de outras funções no computo geral. Os ataques contra policiais, bombeiros, paramédicos, funcionários de necrotérios, etc... na maioria das vezes atingindo locais de recrutamento e de preparação de jovens, visa aterrorizar a população e impedir que o frágil Estado iraquiano cumpra com suas funções mínimas. A ação sistemática contra os postos de alistamento e os serviços de segurança estão atrasando, e mesmo impedindo, a formação de um contingente apto a substituir as tropas americanas no país – um dos pilares de uma possível política de desengajamento americano na região.O número acumulado de “combatentes hostis” mortos, quer dizer de membros das variadas formas de resistência, sob registro americano, atingiram 3.415 em 2007. Mesmo aqui os números não são confiáveis e a margem de sub-registro é imensa.A morte de civis em serviço das forças armadas americanas no Iraque – os chamados “contractors” atingiu 1001 indivíduos ao final de 2007. Aqui cabe, também, desmistificar outro “senso comum” da Guerra do Iraque. Embora o número de “contractors” civis, ligados a grandes firmas de segurança atuando no país, possa chegar a algo como 40.000 homens, a maioria é formada por não-combatentes. A visão de um imenso exército civil – o segundo em “manpower”, depois dos EUA – deve ser revista. Um estudo detalhado da função, condições e forma da morte destes mil homens mostra que a grande maioria morreu em emboscadas enquanto se locomoviam no país ou prestavam serviços paralelos – pouquíssimos morreram efetivamente em combate. Da mesma forma temos que reformar nosso conhecimento sobre a atuação destes homens: a grande maioria é formada por americanos, seguidos de britânicos, sul-africanos e russos. Hispânicos e asiáticos são minoria e, quase sempre, ligados a serviços subalternos de manutenção e limpeza. Bagdad, a capital da violência:As províncias de Al-Anbar, na fronteira com a Síria, de Bagdad e de Salah ad-Din – de amplo povoamento sunita - continuam sendo as áreas de maior atividade da insurgência anti-americana, mesmo depois do amplo programa de securitização de Bagdad posto em prática pelo General Petraeus, atingindo respectivamente 1279, 1213 e 367 baixas. Só Al-Anbar e Bagdad, em conjunto, representaram cerca de 68% das baixas americanos, evidenciando a incapacidade americana de “securitizar” áreas restritas do país. Em termos de perdas civis, iraquianas, Bagdad é, de longe, a região mais perigosa do país, com cerca 59% de todas as baixas. De qualquer forma, o Iraque não foi pacificado, nem se tornou um pólo de desenvolvimento regional capaz de “semear” democracia e bem-estar por toda a região, como imaginavam os sonhos “neoconservadores” em 2003. A Administração Bush chega assim ao seu último ano sem conseguir atingir seus objetivos no país e, mesmo, sem qualquer plano de ação para minorar a situação. Esta será, sem duvida, uma das mais pesadas heranças do governo Bush para seu sucessor nas eleições de 2008.A diminuição das ações militares no país nos dois últimos meses – depois de um “pico” de abril/maio de 2007 ( 104 e 126 mortos, respectivamente ) deve-se, em grande parte, ao maior controle sobre o uso, por parte da resistência, das chamadas “roadside bomba”, aparentemente em virtude de um controle, também maior, por parte das autoridades iranianas, temerosas de acirrar o enfrentamento com os Estados Unidos, criando a oportunidade para um “casus beli” tão buscado em Washington.No Afeganistão, a guerra se expande.Contudo, comparativamente o ano de 2007 foi muito mais preocupante no Afeganistão, mesmo que as baixas aí registradas não tenham sido tão elevadas quanto no Iraque. Ocorre que o país evoluiu, depois da invasão em 2001, de uma situação de total desarticulação dos talibães e do isolamento da Al-Qaeda nas montanhas, para uma bem organizada e ativa resistência depois de 2006.Na verdade, quando os Estados Unidos, em dezembro de 2001, abandonaram os combates na Batalha de Tora-Bora, deixando a ação nas mãos de tropas locais, inaugurou uma gestão ineficaz da guerra. Ali, por um breve espaço de tempo, os americanos tiveram a oportunidade de liquidar de vez a Al-Qaeda e prender ou matar o Mullah Omar e Bin Laden. Contudo, o medo das baixas e a crença que a guerra no Afeganistão seria irrelevante, mais uma “guerra no fim do mundo”, tornou ação de Rumsfeld displicente e descuidada. A invasão do Iraque, 15 meses depois, desviou recursos materiais, humanos e vontade de cão para o novo cenário de guerra, permitindo que a resistência Talibã-Al-Qaeda tivesse o tempo necessário para respirar e se reorganizar. Vieram os ataques a Madrid, Londres, além daqueles frustrados na Itália, França e Alemanha. O terrorismo “mujahidin” triplicou sua ação mundial.Uma nova Al-Qaeda ressurge depois de 2005. Suas “franquias” expandem-se em várias “al-qaedas”, numa nebulosa reticular, de estruturas moles, não-hierárquica e de grande capacidade de implantação. Além da “Al-Qaeda na Terra dos Dois Rios” ( Iraque ), surgem outras ramificações, tais como Al-Qaeda na Terra Santa ( Arábia Saudita), Al-Qaeda no Sahel ( Sudão/Tchad ) e a Al-Qaeda no Maghreb ( Argélia ) – a mais ativa e temível neste momento. Na verdade hoje o Governo Karzai, em Kabul, controla bem menos que uma área de 30 quilômetros em torno da cidade. Mesmo no centro de Kabul, os atentados mostraram-se bem mais ativos, em 2007, do que nos anos precedentes. Ao mesmo tempo, e de forma preocupante, a emergência de ataques de homens-bomba – algo raro até 2006 no cenário do país – mostra o acirramento da resistência anti-americana e anti-OTAN existente no país.A política de Pervez Musharaff, presidente do Paquistão, de pacificar o Waziristan – na fronteira entre os dois países – e que culminou na retirada da autoridade militar paquistanesa da região, parece ter fortalecido as milícias Talibã-Al Qaeda, sem nenhum sucesso para a diminuição da ação de resistência no próprio Afeganistão. Na verdade, deu-se uma intensificação das ações insurgentes, em especial junto a Kandahar no sul do país. A ida de Romano Prodi e Nicolas Sarkozy, em dezembro de 2007, ao país – com a reafirmação do compromisso da OTAN em pacificar o Afeganistão – marca bastante bem o aprofundamento da crise de segurança regional. Sem qualquer dúvida, a morte de Benazir Bhutto e a situação de caos e insegurança no Paquistão deverá incidir fortemente sobre o Waziristan – onde se supõe estão o Mullah Omar e o próprio Bin Laden – podendo fortalecer a resistência islâmica local. Em suma, 2007 não foi um bom ano para a Guerra Americana contra o terrorismo Global, nem mesmo atingiu resultados mínimos nos conflitos do Iraque e no Afeganistão. A resolução dos conflitos em curso será parte da herança de George Bush.
Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Francisco Carlos Teixeira*
O ano foi marcado pelo aprofundamento da crise de liderança – de hegemonia, para muitos – dos Estados Unidos em face ao mundo. A capacidade da grande nação em definir cursos de ação e impor seus projetos foi corroída ao máximo, chegando ao ponto mais baixo da história. E isso não se deu apenas no plano político. A crescente mudança de perfil dos Estados Unidos no conjunto da economia mundial ( seu peso era de cerca 50% do PIB mundial em 1947, passando para cerca de 24 % em 2007 ), somada a crise das hipotecas e seu impacto sobre o sistema de crédito americano, além da manutenção do elevadíssimo déficit duplo do país. Tal modelo acabou por corroer o papel do dólar no conjunto da economia mundial. Neste contexto, a Administração Bush perdeu substância e força, acentuada pela vitória do Partido democrata em ambas as casas do parlamento americano. Além disso, a retirada de vários altos funcionários – alguns, como Alberto Gonzáles e Karl Rove por força de ações da Justiça americana - transformou Bush num homem isolado e solitário na Casa Branca.O modelo de gestão econômica de Bush – que chegou a seduzir as elites perdulárias e anti-nacionais “urbi et orbi” também entrou em colapso. A idéia simples – e amalucada – que se poderia cortar impostos, em especial impostos sobre as grandes fortunas, e aumentar continuamente os gastos militares ( batendo todos os recordes de orçamentos militares ) mostrou-se exatamente como uma idéia simples e... errada!Contudo, mesmo que a economia esteja apresentando sinais evidentes de cansaço e modelo liberal-fundamentalista de economia praticado por Bush tenha se desmantelado, é no Iraque que o vazio de decisões torna-se mais evidente. As expectativas em torno de uma “virada” na Guerra do Iraque, em especial depois do Relatório Baker, no primeiro semestre de 2007, e do Plano de Ação do General Petraeus, no segundo semestre de 2007, não resultaram em qualquer melhoria das condições de segurança e de reconstrução no país. Bem ao contrário. Hoje os Estados Unidos computam 3.919 baixas “oficiais” no país ( das quais 132 foram suicídios! ). A Guerra no Iraque:No seu conjunto o ano de 2007 foi o mais duro ano depois do início da guerra em 2003, alcançando a cifra de 897 soldados americanos mortos ( em 2003 foram 486; em 2004, 849; em 2005, 846; em 2006, 822 ). As repetidas alegações de Bush que a situação no Iraque melhora a cada dia são, assim, desmentidas pela simples apresentação das estatísticas de baixas americanas no país.O reconhecimento, implícito, silencioso, do fracasso da política militar americana para o Iraque consolidou-se na exoneração de Donald Rumsfeld ( afastado em novembro de 2006 ) e na sua substituição por um “kissingeriano” de última fila, Robert Gates. A imensa expectativa em “revolucionar” a arte da guerra, impondo a superioridade americana global através do uso maciço de alta tecnologia e da poupança de “manpower”, mostrou-se irreal numa guerra de tipo assimétrico, baseada na baixa organização e grande mobilidade do inimigo – e travada no meio urbano, como uma guerra das cidades.Os dados do Pentágono, põem por terra o mito de uma guerra iraquiana como sendo uma guerra “hispânica”, da mesma forma que a Guerra do Vietnã teria sido uma “guerra negra”. Na verdade, os brancos pobres e desempregados dos Estados Unidos formam a massa principal de combatentes – e daí os quase 75% de baixas ditas “brancas” –hoje no Iraque. A centralidade das tropas combatentes em pessoal de pequenas e médias cidades do interior americano, onde a desindustrialização avança sobre os setores tradicionais da economia, explica, claramente, a atual incapacidade dos estados Unidos em constituir um amplo exército de voluntários para suas necessidades.O massacre de um povo:O pior de tudo, contudo, são as baixas de civis iraquianos, massacrados no torno dos ataques terroristas e as retaliações das milícias xiitas, sunitas e das forças “da ordem”, sejam iraquianas, sejam americanas. Números conservadores, muito conservadores, falam em 86.060 mortos civis iraquianos no final de 2007, conforme o “Iraq Body Count”. Fontes independentes, como “The Lancet”, entretanto, aproximam este número de 500 mil.Entre as forças de segurança iraquianas, um alvo preferencial da resistência, as baixas acumuladas chegaram a 16,997, conforme fontes americanas ou 7.756, conforme fontes iraquianas. A diferença explicar-se-ia pela inclusão de outras funções no computo geral. Os ataques contra policiais, bombeiros, paramédicos, funcionários de necrotérios, etc... na maioria das vezes atingindo locais de recrutamento e de preparação de jovens, visa aterrorizar a população e impedir que o frágil Estado iraquiano cumpra com suas funções mínimas. A ação sistemática contra os postos de alistamento e os serviços de segurança estão atrasando, e mesmo impedindo, a formação de um contingente apto a substituir as tropas americanas no país – um dos pilares de uma possível política de desengajamento americano na região.O número acumulado de “combatentes hostis” mortos, quer dizer de membros das variadas formas de resistência, sob registro americano, atingiram 3.415 em 2007. Mesmo aqui os números não são confiáveis e a margem de sub-registro é imensa.A morte de civis em serviço das forças armadas americanas no Iraque – os chamados “contractors” atingiu 1001 indivíduos ao final de 2007. Aqui cabe, também, desmistificar outro “senso comum” da Guerra do Iraque. Embora o número de “contractors” civis, ligados a grandes firmas de segurança atuando no país, possa chegar a algo como 40.000 homens, a maioria é formada por não-combatentes. A visão de um imenso exército civil – o segundo em “manpower”, depois dos EUA – deve ser revista. Um estudo detalhado da função, condições e forma da morte destes mil homens mostra que a grande maioria morreu em emboscadas enquanto se locomoviam no país ou prestavam serviços paralelos – pouquíssimos morreram efetivamente em combate. Da mesma forma temos que reformar nosso conhecimento sobre a atuação destes homens: a grande maioria é formada por americanos, seguidos de britânicos, sul-africanos e russos. Hispânicos e asiáticos são minoria e, quase sempre, ligados a serviços subalternos de manutenção e limpeza. Bagdad, a capital da violência:As províncias de Al-Anbar, na fronteira com a Síria, de Bagdad e de Salah ad-Din – de amplo povoamento sunita - continuam sendo as áreas de maior atividade da insurgência anti-americana, mesmo depois do amplo programa de securitização de Bagdad posto em prática pelo General Petraeus, atingindo respectivamente 1279, 1213 e 367 baixas. Só Al-Anbar e Bagdad, em conjunto, representaram cerca de 68% das baixas americanos, evidenciando a incapacidade americana de “securitizar” áreas restritas do país. Em termos de perdas civis, iraquianas, Bagdad é, de longe, a região mais perigosa do país, com cerca 59% de todas as baixas. De qualquer forma, o Iraque não foi pacificado, nem se tornou um pólo de desenvolvimento regional capaz de “semear” democracia e bem-estar por toda a região, como imaginavam os sonhos “neoconservadores” em 2003. A Administração Bush chega assim ao seu último ano sem conseguir atingir seus objetivos no país e, mesmo, sem qualquer plano de ação para minorar a situação. Esta será, sem duvida, uma das mais pesadas heranças do governo Bush para seu sucessor nas eleições de 2008.A diminuição das ações militares no país nos dois últimos meses – depois de um “pico” de abril/maio de 2007 ( 104 e 126 mortos, respectivamente ) deve-se, em grande parte, ao maior controle sobre o uso, por parte da resistência, das chamadas “roadside bomba”, aparentemente em virtude de um controle, também maior, por parte das autoridades iranianas, temerosas de acirrar o enfrentamento com os Estados Unidos, criando a oportunidade para um “casus beli” tão buscado em Washington.No Afeganistão, a guerra se expande.Contudo, comparativamente o ano de 2007 foi muito mais preocupante no Afeganistão, mesmo que as baixas aí registradas não tenham sido tão elevadas quanto no Iraque. Ocorre que o país evoluiu, depois da invasão em 2001, de uma situação de total desarticulação dos talibães e do isolamento da Al-Qaeda nas montanhas, para uma bem organizada e ativa resistência depois de 2006.Na verdade, quando os Estados Unidos, em dezembro de 2001, abandonaram os combates na Batalha de Tora-Bora, deixando a ação nas mãos de tropas locais, inaugurou uma gestão ineficaz da guerra. Ali, por um breve espaço de tempo, os americanos tiveram a oportunidade de liquidar de vez a Al-Qaeda e prender ou matar o Mullah Omar e Bin Laden. Contudo, o medo das baixas e a crença que a guerra no Afeganistão seria irrelevante, mais uma “guerra no fim do mundo”, tornou ação de Rumsfeld displicente e descuidada. A invasão do Iraque, 15 meses depois, desviou recursos materiais, humanos e vontade de cão para o novo cenário de guerra, permitindo que a resistência Talibã-Al-Qaeda tivesse o tempo necessário para respirar e se reorganizar. Vieram os ataques a Madrid, Londres, além daqueles frustrados na Itália, França e Alemanha. O terrorismo “mujahidin” triplicou sua ação mundial.Uma nova Al-Qaeda ressurge depois de 2005. Suas “franquias” expandem-se em várias “al-qaedas”, numa nebulosa reticular, de estruturas moles, não-hierárquica e de grande capacidade de implantação. Além da “Al-Qaeda na Terra dos Dois Rios” ( Iraque ), surgem outras ramificações, tais como Al-Qaeda na Terra Santa ( Arábia Saudita), Al-Qaeda no Sahel ( Sudão/Tchad ) e a Al-Qaeda no Maghreb ( Argélia ) – a mais ativa e temível neste momento. Na verdade hoje o Governo Karzai, em Kabul, controla bem menos que uma área de 30 quilômetros em torno da cidade. Mesmo no centro de Kabul, os atentados mostraram-se bem mais ativos, em 2007, do que nos anos precedentes. Ao mesmo tempo, e de forma preocupante, a emergência de ataques de homens-bomba – algo raro até 2006 no cenário do país – mostra o acirramento da resistência anti-americana e anti-OTAN existente no país.A política de Pervez Musharaff, presidente do Paquistão, de pacificar o Waziristan – na fronteira entre os dois países – e que culminou na retirada da autoridade militar paquistanesa da região, parece ter fortalecido as milícias Talibã-Al Qaeda, sem nenhum sucesso para a diminuição da ação de resistência no próprio Afeganistão. Na verdade, deu-se uma intensificação das ações insurgentes, em especial junto a Kandahar no sul do país. A ida de Romano Prodi e Nicolas Sarkozy, em dezembro de 2007, ao país – com a reafirmação do compromisso da OTAN em pacificar o Afeganistão – marca bastante bem o aprofundamento da crise de segurança regional. Sem qualquer dúvida, a morte de Benazir Bhutto e a situação de caos e insegurança no Paquistão deverá incidir fortemente sobre o Waziristan – onde se supõe estão o Mullah Omar e o próprio Bin Laden – podendo fortalecer a resistência islâmica local. Em suma, 2007 não foi um bom ano para a Guerra Americana contra o terrorismo Global, nem mesmo atingiu resultados mínimos nos conflitos do Iraque e no Afeganistão. A resolução dos conflitos em curso será parte da herança de George Bush.
Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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