Alforriados, neobobos e a tabacofobia
Alguma coisa em comum há entre estas três categorias: os negros alforriados durante o império, os neobobos dos anos 70/80 e os antitabagistas de hoje. Todos são bobos, são levados por idéias que não sabem de onde vêm e as reproduzem como micos de circo.
Eu explico. O grande escritor e acadêmico Luiz Edmundo escreveu em duas de suas obras magníficas " O Rio de Janeiro do meu tempo" e " O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis", que os negros recém-alforriados não querendo ser identificados como ex-escravos, usavam aquelas roupas pomposas dos homens da corte: casaca de veludo, calça justa, chapéu de três bicos, cinturões e etc. Não fossem a cor da pele, o jeito enjambrado dentro da fatiota, as roupas inadequadas ao calor carioca de 40 graus e os grossos pezões de escravo descalços nas ruas de terra do Rio, eles talvez pudessem ser confundidos com cortesãos. Era uma maneira de ser, de parecer com o dominador.
O presidente argentino Domingo Sarmento (1878-1884) achou que igualaria as classes sociais argentinas através dos estudantes, mandando que todos usassem os mesmos aventais brancos, imaculados, como os estudantes europeus. Comos os negros de nosso império, Sarmento também se esqueceu dos pés. Nos pés dos alunos ricos havia sapatos de couro, nos dos pobres alpargatas de lona e solas de corda. Os pés denunciavam o que Sarmento queria esconder.
Nos anos 70/80 as redes de fast-food invadiram o Brasil trazendo para cá a malandra e hedionda mania de fazer com que os próprios fregueses limpassem os restos de suas bandejas, jogassem copos no lixo, sob o pretexto de que isso era fino, civilizado, educado.
Civilizado o cacete. O que eles queriam é que trabalhássemos de graça, fazendo o serviço que deveria estar sendo feito pelos milhões de desempregados do país. Em seus países de origem a prática fazia sentido: para fazer o serviço sujo a rede precisava pagar salários elevados para este tipo de serviço, o que inviabilizaria cobrar preços suportáveis pelos seus sanduíches. O freguês teria que escolher, ou limpava a própria sujeira ou pagava um preço proibitivo pelos big sanduichezinhos vagabundos deles. Entre nós isso não colava pois qualquer desempregado nosso se submeteria a fazer o serviço sujo por um reles salário mínimo. O jeito foi constranger os neobobos locais, dizendo que limpar a própria bandeja era moderno, politicamente correto, além de muito chiquê. Muita gente acreditou na lorota e continua até hoje a fazer o trabalho de muito desempregado e o preço dos nossos sanduíches é o mesmo dos de lá. A idéia foi tão boa que se expandiu até para nossos restaurantes por quilo. Em qualquer comida a quilo da zona leste de São Paulo, centro nacional de desemprego, podem ser vistos desempregados depositando, de cabeça erguida ( como os negros de chapéu de tres bicos ) suas sobras e seu lixo na caixinha onde se lê "obrigado", como se dissesse "obrigado por ser limpo e educado" mas diz na verdade "obrigado por ser bobo e trabalhar de graça para nós."
Sempre cegos e prontos a seguir qualquer bobagem que o império nos impõe, seja português, seja norte americano, a última que colou por aqui foi a tabacofobia.
De repente o fumante virou um cidadão de última categoria, odiado em qualquer lugar e por todos. Isso não quer dizer que não existam malefícios no ato de fumar, é claro que existem. Muito recentemente fumava-se em aviões, cinemas, elevadores, em qualque lugar. Era um exagero, está certo. Mas ocorre que a mania de perseguir fumantes já arranha a Constituição, os direitos individuais e chega ao paroxismo.
O governador José Serra de São Paulo parece ter entrado em estado adiantado de demência, ao querer proibir o fumo de qualquer jeito, em qualquer lugar, na marra, no muque, limitando o direito de um sujeito fumar onde quiser, sob o pretexto dos prejuizos a terceiros e à saúde pública.
O que talvez Serra não saiba é que a tabacofobia é também uma invenção do império. Nos anos 70, um escritório de advocacia falido, da Califórnia, com oficiais de justiça batendo à sua porta para lhe tomar os móveis, as máquinas de escrever e as cuecas, teve a grande sacada: vamos partir de sola para cima das fábricas de cigarro. Para isso foram atrás de fumantes que estavam doentes, pouco importava se dos males dos tabaco ou não. Iniciaram uma saraivada de processos de lesões suposta ou certamente provocadas pelo tabagismo. Os fabricantes de cigarros para salvar a própria pele, acoelhados e diante de uma possivel bancarrota embarcaram no conto do vigário dos advogados malandros e para sobreviver tiveram que se submeter ao vexame de dizer que seu produto era mesmo uma porcaria.
Não quero dizer cigarro faça bem. Só queria lembrar que existem direitos civis e que a maioria dos malefícios dos cigarros foram inventados por advogados.
A propósito, a Folha de hoje publicou um interessante artigo do Ruy Castro sobre o assunto. Leia abaixo.
Debalde
RIO DE JANEIRO - Nos últimos anos, o Brasil não tem dado boa vida aos fumantes. Ficou proibido fumar na maioria dos recintos, entre os quais aqueles em que a medida é acertada -aviões, táxis, elevadores, salas de espera, consultórios, escolas, bibliotecas, hospitais, creches, lactários. E em outros que a razão não alcança, como cafés, botequins e escritórios, que tiveram de restringir o fumo, confinando-o nos fumódromos.
A razão não alcança, mas a sociedade submeteu-se a essas restrições. Os fumantes recolheram-se à sua condição de cidadãos de terceira classe e foram fumar nos espaços que lhes restaram. Debalde. O governo de São Paulo e a Prefeitura do Rio tentam agora tomar esses espaços, proibindo o cigarro em qualquer área interna e, na prática, fechando os fumódromos. Para esses governos, não basta banir o fumo, é preciso banir o fumante.
Além de ser proibido fumar, ficou proibido também ser contra a medida. Qualquer tentativa de racionalização que pareça, mesmo de longe, a favor do fumo provoca em resposta uma secreção desproporcional de espuma e bile. O ódio ao cigarro (a essa altura, exercido pela maioria) nega à minoria de fumantes um mínimo de direitos, inclusive o de se defender.
Ódio ao cigarro comercial, bem entendido -porque o lobby da maconha continua a pregar sua descriminalização, como se ela fosse ingerida na forma de pirulitos ou jujubas, e não de um cigarro a ser queimado, tragado e expelido, tal qual o industrializado. Ninguém se preocupa com os fumantes passivos de maconha?
Resta saber o que os fiscais farão em ambientes como boates, discotecas e festas rave. Já posso ver o responsável sendo autuado por permitir que seus clientes fumem Marlboro em vez de se limitarem à birita, ao ecstasy e à cocaína.
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