Graciliano no Politika
Prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas, de 1928 a 1930, o escritor Graciliano Ramos fez o caminho inverso daqueles que usam a literatura para falar de política. Autor de textos magníficos como os dos livros São Benardo, Memórias do Cárcere, Caetés, Infância, dentre outros, ele transformou em obras de arte os relatórios de sua gestão, como prefeito, ao Governador do Estado. Fugindo da linguagem rebuscada e burocrática comum em relatórios do serviço público do seu tempo, Graciliano redigiu as mais bem-escritas prestações de contas de que se tem notícia.
A partir de hoje o Blog Politika irá publicar diariamente um trecho destes relatórios. Todo dia uma nova pérola deste que foi um dos mais brilhantes escribas brasileiros de todos os tempos.
Antes do primeiro texto, conheça o auto-retrato, escrito por Graciliano, ao 56 anos:
Auto-retrato aos 56 anos
Nasceu em 1892, em Quebrangulo, Alagoas.
Casado duas vezes, tem sete filhos.
Altura 1,75.
Sapato n.º 41.
Colarinho n.º 39.
Prefere não andar.
Não gosta de vizinhos.
Detesta rádio, telefone e campainhas.
Tem horror às pessoas que falam alto.
Usa óculos.
Meio calvo.
Não tem preferência por nenhuma comida.
Não gosta de frutas nem de doces.
Indiferente à música.
Sua leitura predileta: a Bíblia.
Escreveu "Caetés" com 34 anos de idade.
Não dá preferência a nenhum dos seus livros publicados.
Gosta de beber aguardente.
É ateu. Indiferente à Academia.
Odeia a burguesia. Adora crianças.
Romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz.
Gosta de palavrões escritos e falados.
Deseja a morte do capitalismo.
Escreveu seus livros pela manhã.
Fuma cigarros "Selma" (três maços por dia).
É inspetor de ensino, trabalha no "Correio do Manhã".
Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo.
Só tem cinco ternos de roupa, estragados.Refaz seus romances várias vezes.Esteve preso duas vezes.
É-Ihe indiferente estar preso ou solto.
Escreve à mão.Seus maiores amigos: Capitão Lobo, Cubano, José Lins do Rego e José Olympio.
Tem poucas dívidas.
Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas.
Espera morrer com 57 anos.
Vejam o primeiro texto:
"Graciliano Ramos
Relatório ao sr. governador Álvaro Paes
Receita – 96:924$985
No orçamento do ano passado houve supressão de várias taxas que existiam em 1928. A receita, entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985. E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados pelos exatores. (...) Administração – 22:667$748 Figuram 7:034$558 despendidos com a cobrança das rendas, 3:518$000 com a fiscalização e 2:400$000 pagos a um funcionário aposentado.
Tenho seis cobradores, dois fiscais e um secretário. Todos são mal remunerados. (...)
Cemitério – 243$000 Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável.
Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam.
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