O amigo Júlio Lancelotti
Conheci o padre Júlio Lancelotti na década de 80, numa casa de apoio que a Febem de SP tinha em antiga construção do bairro do Pacaembu. Era o governo Quércia que, indiscutivelmente, foi longe, o melhor do país em todos os tempos no tratamento do problema da criança e do adolescente. Quércia fez uma revolução criando a Secretaria do Menor, com Alda Marco Antonio à frente. A presidente da Febem era Maria Inês Bierrembach e seu chefe-de-gabinete o atual secretário de justiça de Serra, Luiz Antonio Marrey.
Estávamos, então, reunidos e éramos 5 pessoas. Uma delas era Júlio Lancelotti, que ainda não era padre e, curiosamente dois Reinaldos, além de mim. Júlio chegou e disse alegremente que a reunião seria muito boa, pois éramos 3 Reinaldos e tudo que está em 3 é sagrado. Nunca me esqueci desta frase, que repito sempre que estou diante de circunstâncias em que o 3 assim se repete.
Júlio sempre foi uma pessoa totalmente comprometida com a causa da criança e do adolescente, de uma bondade monumental e um rigor stalinista quando o assunto eram os direitos deles.
Imagino o conflito existencial pelo qual ele deve estar passando, nem tanto pelo temor de ser acusado de qualquer vilania, que pessoalmente duvido que tenha cometido, mas pelo conflito que se apresentou diante dele, de ter que lançar mão do aparelho policial do Estado, ente contra quem ele sempre se voltou quando a questão eram suas idéias e o direito das crianças. Como qualquer cidadão, foi se proteger pessoalmente de aí sim, uma vilania real, uma chantagem de um adulto que "não deu certo", um adulto cujo destino o desafia e o prostra.
Júlio sempre acreditou, pregou, apregoou, lutou e se entregou à crença de que há em todos nós uma instância do bem, que só não irá se manifestar se as circunstâncias sócio-econômicas-ambientais não permitirem.
Não vi o Júlio nunca mais, apenas por notícias dos jornais, mas sei que por infinitas vezes ele entrou em violentos embates com policiais e autoridades por defender esta crença. Crença que se coloca agora, diante dele, como uma esfinge.
Uma esfinge materializada na cara cruel de um adulto que ele viu criança e que, mais do que achacá-lo em alguns milhares de reais, surrupia-lhe parte da alma, rouba-lhe convicções que são sua razão de viver.
Este adulto em quem Júlio, como um anjo da guarda, investiu e acreditou, tornou-se uma espécie de cérbero, a abrir a Júlio a pior parte de nosso inferno, que é a decepção, em ato, com nossos próprios ideais.
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