A RAZÃO DA IDADE
Contar casos usando a si mesmo como exemplo é sempre visto como uma coisa meio cabotina. Mas, no dia da criança, para comparar a infância e a adolescência de uns tempos atrás com as de hoje se justifica a cabotinice.
Na minha infância, que não foi lá das muito carentes, minha família se mudou de um bairro simples para outro, o melhor da cidade, cercado por uma vizinhança abastada de filhos de desembargadores, deputados, empreiteiros e banqueiros. Como no primeiro, nossas brincadeiras eram com bolas de gude, peão, estilingue para fazer guerra de mamonas, pular carniça, boizinhos feitos de chuchu e palitos, fazer cabanas com folhas de pitas.
Esta simplicidade não pretende humilhar nenhum Nintendo dos dias de hoje, mas era mais criativa, exigia exercício físico, colaboratividade, trabalho e oferecia alegria coletiva, bases importantes de uma sociedade solidária.
Nossas escolas? A quase totalidade de nós frequentávamos escolas públicas, não apenas porque eram gratuitas, mas porque eram as melhores, tanto quanto as pouquíssimas privadas que existiam e estas, diga-se de passagem, todas, sem exceção, ligadas a alguma profissão religiosa: jesuítas batistas, maristas, dominicanos, franciscanos.
Outro dia, minha amiga Ester sofria dividida por uma dúvida lacerante. Sua filha de 12 anos queria um celular com câmera de 300 milhoes de megapixels, jogos eletrônicos, internet, pda e mil outras inutilidades. E completou: "quero ainda um tênis ( que custava 550 reais ) e uma blusa da Daslu Teen." Tudo isso porque suas coleguinhas da escola já tinham esse modesto patrimônio e ela, a infante, se sentia uma humilhada e ofendida sem esse cabedal capitalista.
Ester, que pode comprar tudo isso, me consulta, me pede a opinião.
Eu, gentilmente, disse que sim, que ela deveria dar isso tudo à menina.
Mas não poderia se esquecer que em pouquíssimo tempo ela terá transformado a filha num monstro. E, quando faltasse à menina um novo modelo de celular, ela, Ester, deveria estar preparada para a atribuladíssima tarefa de morrer assassinada a cano de ferro, enquanto dormisse, como Marisa e Manfred Von Richtofen.
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