O fim do oligopólio da opinião
LUIZ NASSIF
As eleições de 2002 marcaram uma virada inesquecível na mídia espanhola. Poucos dias antes do final, houve o atentado na estação de trem de Madri. A mídia governista espalhou a versão de que havia sido detonada pelo ETA, a milícia separatista basca. A reação veio através de um enorme zumbido popular, valendo-se das novas formas de comunicação, especialmente mensagens curtas em celulares. Em poucos dias, ampliou-se a vantagem da oposição e o governo e a grande mídia foram derrotados. Ali, simbolicamente, cessou o oligopólio da informação por parte da mídia convencional.
As eleições de 2006 no Brasil terão o mesmo significado no futuro. O episódio em questão foram as fotos do dinheiro que seria utilizado para a compra do "dossiê Vendoin". A rigor, as fotos não trariam nenhuma informação adicional para elucidar o caso. São tão informativas quanto qualquer foto de dinheiro amontoado. Esperava-se apenas que a exposição das notas de dinheiro tivesse um efeito eleitoral, como teve a foto do dinheiro encontrado no comitê eleitoral de Roseana Sarney em 2002.
Se o interesse na foto era puramente em torno dos efeitos eleitorais, a matéria jornalística mais relevante seria sobre a forma como as fotos foram vazadas para a imprensa - do mesmo modo que, em relação ao dinheiro do dossiê, o interesse jornalístico seria sobre sua origem, não sobre sua aparência.
No entanto, durante alguns dias os principais órgãos da imprensa se limitaram exclusivamente a repercutir a imagem das fotos. A conversa do delegado que vazou as fotos com os repórteres que cobriam o caso é extremamente significativa. Mostrava claramente uma armação, inclusive na intenção de passar as fotos para emissoras de TV de menor audiência paradespistar a entrega ao "Jornal Nacional" - não por razões de cumplicidade, mas por ser o jornal de maior audiência do país.
Os fatos foram denunciados na reportagem de Raimundo Pereira na "Carta Capital". Através dela, se fica sabendo da existência da gravação da conversa do delegado com os jornalistas.
Em outros tempos, o assunto morreria por ali. Não haveria repercussão da reportagem, e a gravação do delegado no máximo circularia por algumas redações de forma quase clandestina.
O advento dos blogs e da Internet inverteu a lógica. Em pouco tempo, a matéria de Raimundo passava a repercutir em vários blogs. Os leitores passaram a descarregar a ira contra a encenação na parte de comentários. A repercussão foi tal que obrigou o jornalista Ali Kamel, porta-voz da Globo, a sair a público defendendo a emissora.
Nos anos 80 a denúncia de desmandos jornalísticos sairia por outro órgão da mídia. Em 2006, houve um pacto tácito que juntou grandes jornais, revistas e grandes emissoras de televisão, de homogeneização da opinião, de redução do contraditório, de diminuição do espaço crítico. Não se percebeu que a tecnologia estava mudando tudo.
Foi esse pacto que, no fundo, acabou impedindo a oxigenação do debate e abriu um espaço extraordinário para os blogs. As eleições de 2006 marcam definitivamente o fim do poder absoluto da grande mídia sobre o mercado de opinião brasileiro.