ALCA, Mercosul, ALBA: estes são os verdadeiros termos do problema
Por Emir Sader*
Imaginem se uma Comissão do Parlamento da Venezuela se pronunciasse contra a renovação das concessoes da TV Globo. Poderia alegar que a emissora surgiu sob a ditadura militar, apoiada na empresa norte-americana Time Life, se valeu do regime ditatorial, quando floresceu, valendo-se de privilégios absolutos.
Poderia alegar que a emissora tentou impedir a vitória de Leonel Brizola na eleição para governador do Rio de Janeiro, em 1982, tentando promover uma fraude.
Poderia alegar que a emissora da família Marinho tentou desconhecer a campanha pelas eleições diretas. Que editou de forma totalmente parcial e falseada o último debate nas eleições presidenciais. Poderia alegar que o principal noticiário dessa TV deixou de noticiar o mais grave acidente da aviação brasileira – já noticiado por outros órgãos da imprensa – para levar a cabo uma manobra eleitoral.
Poderia alegar uma lista interminável de argumentos para pronunciar-se contra a concessão da renovação à TV Globo.
Se tivesse havido um pronunciamento desse tipo, quais seriam os efeitos no Brasil? Entre tantas outras coisas, se exigiria do presidente brasileiro um pronunciamento duro contra o Parlamento venezuelano, se formaria um coro de gritos pedindo medidas contra essa intervenção nos assuntos internos do nosso país, que afetaria nossa soberania. Um rosário de medidas seria propagado pela imprensa oligárquica, pelos partidos da direita e por seus ventrílocos.
Porém, aconteceu o oposto. Uma Comissão do Senado brasileiro, como se não tivesse que se preocupar com a ditadura da mídia oligárquica no nosso país, se pronunciou contra uma medida que se choca com essa mesma ditadura na Venezuela e promove a democratização no processo de formação da opinião pública.
Quem trata de se aproveitar disso é a mesma direita que promoveu a posição da comissão do Senado brasileiro, buscando colocar obstáculos ao ingresso pleno da Venezuela no Mercosul. Quem ganharia e quem perderia, caso essa insensata posição fosse tomada pelo Parlamento brasileiro?
O Mercosul voltaria à situação que tinha até um ano atrás, antes da reunião de Córdoba, em julho, quando a Venezuela e a Bolívia ingressaram no Mercosul e Cuba se aproximou. O Mercosul começava a se livrar do círculo vicioso a que havia sido condenado pelas grandes corporações brasileiras e argentinas, disputando mercados entre si e relegando o Paraguai e o Uruguai a um papel totalmente marginal. Trabalham no fundo para o fracasso do Mercosul, para o isolamento do Mercosul em relação à ALBA e para sua aproximaçáo com a ALCA e os tratados de livre comércio na região.
Enquanto a ALBA avança na construção de um espaço exemplar de “comércio justo”, do qual deveriam participar o Brasil, a Argentina, o Uruguai e todos os países que aspiram à construção de “um outro mundo possível”. Um comércio em que as trocas não se dão a preço de mercado – um mercado controlado pelas potências do norte do mundo -, mas pelas necessidades e possibilidades de cada país.
Que o Senado trate de se depurar dos seus membros notoriamente envolvidos em casos de corrupção, que trate de promover uma legislação que fortaleça a democratização da mídia pública no Brasil e debilite a ditadura das oligarquias privadas, que apoie a política externa independente e não se preste a favorecer os interesses dos grandes monopólios privados, inimigos da integraçao regional e adeptos da ALCA e dos tratados de livre comércio. Que se ocupe dos candentes problemas brasileiros e da integração latinoamericana, deixando os problemas internos dos outros países para que seus governos – eleito e reeleito democraticamente pelo povo venezuelano, no caso em questão – decidam.
(transcrito do Blog do Emir)
* Sociólogo, Cientista Político, professor da USP.