A lucidez do prefeito.
Vem de um engenheiro químico, não de um pedagogo, psicólogo, jurista ou sociólogo, como seria de se esperar, a interpretação mais lúcida que tenho visto nos últimos anos, do ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente.
Felizmente este cidadão traz no seu currículo um título que o faz capaz de mudar muito mais coisas que poderia um engenheiro. Ele se chama Newton Lima Neto e é prefeito de São Carlos, interior de São Paulo.
Num momento em que a opinião pública quer cortar cabeças de crianças e adolescentes, quer sangue rolando e redução da maioridade penal a qualquer custo, que em Belo Horizonte outdoors clamam por vingança pela tragédia do menino arrastado por adolescentes por um carro no Rio, vemos que nem tudo está perdido.
Na Folha de São Paulo de hoje, 26/02, o lúcido prefeito, em conjunto com Agnaldo Soares de Lima, padre salesiano, escreve em “Tendência e Debates”, página A3, o artigo “ECA: cumprir antes de modificar”.
Desde há mais de 10 anos, quando participávamos das discussões dos textos que comporiam mais tarde o ECA, então um projeto, em conjunto com Antonio Carlos Gomes da Costa, Edson Seda, irmão Mesquita, da Fundação São João Bosco, dos salesianos, o senador Ronan Tito de Almeida, de MG, e muitos outros interessados, todos sabíamos das dificuldades que o Estatuto enfrentaria, principalmente no tocante a conceitos fundamentais como “criança”, “adolescente”, “menor”. Desde aquele tempo, forças reacionárias, retrógradas, estreitas e policialescas queriam mudar o ECA. Depois de tantos anos apenas agora vi um agente do poder público, no caso o prefeito Newton, demonstrar a mais exata compreensão do ECA. E ele vai na veia.
No caso do adolescente autor de ato infracional, até hoje não vi nem tomei conhecimento de uma só política pública, sequer, que cumprisse as prescrições do ECA para esses casos. E, cumprindo as expectativas e desejos da “elite branca”, impecavelmente denunciada pelo ex-governador Cláudio Lembo, o que se vê são mais e mais cidadãos pedindo que exterminemos as nossa crianças, sem que antes se coloque em prática a lei que veio para tentar compreender e equacionar o drama que desde a República Velha joga nos porões dos cárceres, na degradação e na humilhação a melhor parcela do mundo, que são as crianças.
As prescrições de políticas de promoção social contidas no ECA, antes de serem mudadas precisam ser aplicadas, diz o brilhante artigo do engenheiro-prefeito. E esta é uma afirmação tão correta que vou até mais longe. Precisam ser aplicadas e compreendidas. Até hoje os meninos e meninas das classes alta e média são chamadas de crianças e os meninos e meninas pobres são chamados de menores. A categoria “menor” não é qualificativa de estrato social, mas de condição perante as leis; quem é menor ou maior de 18 anos o é apenas para as leis e isso se aplica a todos, ricos e pobres. Essa compreensão equivocada- quase inconsciente- chegou a produzir uma aberração jornalística que publicou o seguinte título, numa matéria: “menor ataca criança”. O Uso da palavra “menor” não pode, como diz o ECA, ser aplicada para discriminar um determinado estrato social. Até mesmo o presidente Lula, em seus discursos, parece não saber fazer a diferenciação básica, já que em muitas ocasiões se refere a meninos pobres como menores e a outros como crianças.
O Brasil padece do estranho vício de achar que basta haver uma lei para que tudo se resolva pela magia da sua existência; e se nada se resolve a culpa é da lei. Esse ardil, vulgar até, tem sido o grande trunfo de quem não quer mudar nada: vamos mudar a lei, como se isso fosse suficiente para mudar a realidade. E essa estreiteza assume ares de panacéia quando vem de quem realmente não quer mudar nada e sempre recorre a argumentos redutivistas e fascistas do tipo “se o menino arrastado pelo carro fosse seu filho, queria ver se você defenderia o ECA!”. Este argumento quer na verdade reduzir o tamanho do drama e da dor vividos pela criança e pela família vítimas desta barbaridade a razões biológicas, a afetos privados e à leniência e excesso de tolerância das leis e não à questão de fundo, maior, que é a omissão do poder público, que se recusa a promover as políticas sociais emancipadoras propugnadas no ECA. Esse argumento é falso, mafioso, mal intencionado e tem apenas a intenção de confundir a opinião pública, manipular o genuíno sentimento de indignação de todos nós ante o crime do Rio de Janeiro argumentando que a culpa pelo acontecido é da lei. A culpa não é da lei, mas do não cumprimento dela.
Os exemplos citados pelo prefeito em seu artigo dos resultados concretos obtidos em São Carlos, simplesmente cumprindo o que está no ECA, são eloqüentes por si sós e se antepõem aos que defendem sua modificação.
Infelizmente ainda há quem queira voltar à República Velha, quando o problema social era “caso de polícia”.
Quando a lógica não é esta, é outra ainda pior, pois vigora a mais devastadora das forças da natureza: a segurança do ignorante.
Felizmente este cidadão traz no seu currículo um título que o faz capaz de mudar muito mais coisas que poderia um engenheiro. Ele se chama Newton Lima Neto e é prefeito de São Carlos, interior de São Paulo.
Num momento em que a opinião pública quer cortar cabeças de crianças e adolescentes, quer sangue rolando e redução da maioridade penal a qualquer custo, que em Belo Horizonte outdoors clamam por vingança pela tragédia do menino arrastado por adolescentes por um carro no Rio, vemos que nem tudo está perdido.
Na Folha de São Paulo de hoje, 26/02, o lúcido prefeito, em conjunto com Agnaldo Soares de Lima, padre salesiano, escreve em “Tendência e Debates”, página A3, o artigo “ECA: cumprir antes de modificar”.
Desde há mais de 10 anos, quando participávamos das discussões dos textos que comporiam mais tarde o ECA, então um projeto, em conjunto com Antonio Carlos Gomes da Costa, Edson Seda, irmão Mesquita, da Fundação São João Bosco, dos salesianos, o senador Ronan Tito de Almeida, de MG, e muitos outros interessados, todos sabíamos das dificuldades que o Estatuto enfrentaria, principalmente no tocante a conceitos fundamentais como “criança”, “adolescente”, “menor”. Desde aquele tempo, forças reacionárias, retrógradas, estreitas e policialescas queriam mudar o ECA. Depois de tantos anos apenas agora vi um agente do poder público, no caso o prefeito Newton, demonstrar a mais exata compreensão do ECA. E ele vai na veia.
No caso do adolescente autor de ato infracional, até hoje não vi nem tomei conhecimento de uma só política pública, sequer, que cumprisse as prescrições do ECA para esses casos. E, cumprindo as expectativas e desejos da “elite branca”, impecavelmente denunciada pelo ex-governador Cláudio Lembo, o que se vê são mais e mais cidadãos pedindo que exterminemos as nossa crianças, sem que antes se coloque em prática a lei que veio para tentar compreender e equacionar o drama que desde a República Velha joga nos porões dos cárceres, na degradação e na humilhação a melhor parcela do mundo, que são as crianças.
As prescrições de políticas de promoção social contidas no ECA, antes de serem mudadas precisam ser aplicadas, diz o brilhante artigo do engenheiro-prefeito. E esta é uma afirmação tão correta que vou até mais longe. Precisam ser aplicadas e compreendidas. Até hoje os meninos e meninas das classes alta e média são chamadas de crianças e os meninos e meninas pobres são chamados de menores. A categoria “menor” não é qualificativa de estrato social, mas de condição perante as leis; quem é menor ou maior de 18 anos o é apenas para as leis e isso se aplica a todos, ricos e pobres. Essa compreensão equivocada- quase inconsciente- chegou a produzir uma aberração jornalística que publicou o seguinte título, numa matéria: “menor ataca criança”. O Uso da palavra “menor” não pode, como diz o ECA, ser aplicada para discriminar um determinado estrato social. Até mesmo o presidente Lula, em seus discursos, parece não saber fazer a diferenciação básica, já que em muitas ocasiões se refere a meninos pobres como menores e a outros como crianças.
O Brasil padece do estranho vício de achar que basta haver uma lei para que tudo se resolva pela magia da sua existência; e se nada se resolve a culpa é da lei. Esse ardil, vulgar até, tem sido o grande trunfo de quem não quer mudar nada: vamos mudar a lei, como se isso fosse suficiente para mudar a realidade. E essa estreiteza assume ares de panacéia quando vem de quem realmente não quer mudar nada e sempre recorre a argumentos redutivistas e fascistas do tipo “se o menino arrastado pelo carro fosse seu filho, queria ver se você defenderia o ECA!”. Este argumento quer na verdade reduzir o tamanho do drama e da dor vividos pela criança e pela família vítimas desta barbaridade a razões biológicas, a afetos privados e à leniência e excesso de tolerância das leis e não à questão de fundo, maior, que é a omissão do poder público, que se recusa a promover as políticas sociais emancipadoras propugnadas no ECA. Esse argumento é falso, mafioso, mal intencionado e tem apenas a intenção de confundir a opinião pública, manipular o genuíno sentimento de indignação de todos nós ante o crime do Rio de Janeiro argumentando que a culpa pelo acontecido é da lei. A culpa não é da lei, mas do não cumprimento dela.
Os exemplos citados pelo prefeito em seu artigo dos resultados concretos obtidos em São Carlos, simplesmente cumprindo o que está no ECA, são eloqüentes por si sós e se antepõem aos que defendem sua modificação.
Infelizmente ainda há quem queira voltar à República Velha, quando o problema social era “caso de polícia”.
Quando a lógica não é esta, é outra ainda pior, pois vigora a mais devastadora das forças da natureza: a segurança do ignorante.
Leia o artigo no original (para assinantes da Folha ou UOL)